O gabinete do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), utilizou o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ilegalmente para investigar jornalistas e apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro no Inquérito das Fake News, criado em 2019.
De acordo com o jornal Folha de S.Paulo, mensagens trocadas pelo próprio magistrado, por assessores e por integrantes do TSE mostram que o setor de combate à desinformação da Corte Eleitoral, então presidida por Moraes, serviu como braço investigativo do STF.
As mensagens, trocadas entre agosto de 2022 e maio de 2023, revelam que o TSE foi usado para investigar e abastecer o STF com relatórios — muitas vezes sem registro oficial.
As trocas de mensagens entre assessores e Alexandre de Moraes
Em alguns momentos, assessores de Moraes mencionaram a irritação do magistrado com a demora no atendimento às suas ordens.
“Vocês querem que eu faça o laudo?”, teria perguntado o ministro, em uma das mensagens. “Ele cismou. Quando cisma, é uma tragédia”, comentou um dos assessores, referindo-se ao magistrado. “Ele está bravo agora”, disse outro.
O juiz instrutor Airton Vieira, próximo de Moraes no STF, foi um dos principais responsáveis por solicitar relatórios ao TSE. Eduardo Tagliaferro, chefe da assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação (AEED) no TSE, também esteve envolvido.
Tagliaferro deixou o cargo em maio de 2023, depois de ser preso sob suspeita de violência doméstica contra a mulher, em Caieiras (SP).
As mensagens mostram que Vieira pedia relatórios específicos via WhatsApp sobre jornalistas e aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro, então enviados ao STF.
As consequências da investigação extraoficial de Alexandre de Moraes
Segundo a Folha, nem Moraes nem Vieira responderam aos pedidos de comentário feitos pela assessoria do STF. Tagliaferro afirmou que “cumpria todas as ordens que me eram dadas e não me recordo de ter cometido qualquer ilegalidade”.
Esses relatórios não tinham registro oficial de solicitação por parte de Alexandre de Moraes ou do STF. As mensagens abrangem o período de agosto de 2022, já durante a campanha eleitoral, e maio de 2023.
O uso do TSE para fins políticos
Um exemplo ocorreu em 28 de dezembro de 2022, quando, já depois das eleições, Vieira pediu a Tagliaferro para produzir relatórios sobre postagens dos jornalistas Rodrigo Constantino, também colunista de Oeste, e Paulo Figueiredo.
Eles estavam na mira de Alexandre Moraes por questionarem a lisura das eleições de 2022. Vieira mandou capturas de tela de postagens de Constantino e pediu a inclusão de mais publicações no relatório.
“Quem mandou isso aí, exatamente agora, foi o ministro, e ele mandou: querem que eu faça o laudo?”, disse Airton Vieira, em áudio enviado a Tagliaferro às 23h59 de 28 de dezembro. “Ele está assim, cismou com isso aí. Como ele está esses dias sem sessão, ele está com tempo para procurar mais.”
O assessor do TSE responde, já na madrugada de 29 de dezembro. Ele afirma que o conteúdo do relatório enviado anteriormente já seria suficiente, mas que iria alterar o documento e incluir as postagens indicadas por Moraes por meio do juiz instrutor.
Decisões sigilosas
Em 1º de janeiro de 2023, Vieira enviou a Tagliaferro cópias de duas decisões sigilosas de Moraes tomadas dentro do Inquérito das Fake News, produzidas com base no relatório enviado de maneira supostamente espontânea.
“Trata-se de um ofício encaminhado pela Assessoria Especial de Desinformação Núcleo de Inteligência do TSE”, declarava o documento, sem mencionar que o material havia sido encomendado em seu nome pelo auxiliar em uma conversa via WhatsApp.
Postagens de Constantino que entraram na mira incluíam críticas a Gilmar Mendes e ao sistema judicial. Alexandre de Moraes ordenou a quebra de sigilo bancário, o cancelamento de passaportes e o bloqueio de redes sociais de Constantino e Figueiredo.